terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Martinha: “Ainda não vivemos uma democracia plena”



Lorena Paim e Nubia Silveira

Ignez Maria tinha apenas 11 anos quando começou a falar sobre política com o tio comunista, ambos moradores de Uruguaiana, na fronteira do Brasil com a Argentina. O sonho da menina, baixinha e magrinha, era estudar na então União Soviética. Veio golpe de 1964, o tio precisou se exilar no Uruguai e ela, em vez  de partir para Moscou, passou a visitar o tio em Rivera, na fronteira uruguaia. Aos 15 anos, sem que ninguém soubesse, fazia as vezes de pombo-correio entre o tio, no interior do Uruguai, e seus companheiros comunistas em Porto Alegre. Começava aí sua preparação como um quadro do PCB. Até hoje, ela lembra dos conselhos do tio, seu grande ídolo: “Não entra no movimento estudantil. Tu vais ser um quadro do Partidão”.
O conselho foi seguido até ela entrar na Universidade. Oriunda de família ruralista, Ignez escolheu a veterinária para tratar dos bichos com os quais convive desde criança. Continuava baixinha e magrinha. Ninguém a imaginaria pegando em armas. Mas, foi o que fez ao entrar para a resistência contra a ditadura, com o codinome Marta, homenagem a uma empregada doméstica, conhecida na infância. Foi a única gaúcha a participar da expropriação de um banco. Presa em casa, quando tentava explicar à mãe a sua posição e a necessidade de entrar para a clandestinidade, foi levada diretamente para o DOPS, em Porto Alegre. Ali sofreu todo tipo de tortura.
Os carcereiros lhe aplicaram choques, deram socos, colocaram–na no pau de arara e a estupraram. Ficou um ano na prisão e dois em liberdade vigiada. Hoje, Ignez Maria Serpa Ramminger, 65 anos, segue sendo chamada de Martinha. Isso não a incomoda? “Não – responde ela – Ignez e Martinha são a mesma pessoa”.
Ao Sul21, em sua casa, rodeada de cinco cachorros e três gatos, Ignez-Martinha lembrou o terror da prisão e da tortura e revelou que ainda teme um retrocesso político. Para ela, ainda “não estamos em democracia plena.  Temos apenas uma democracia eleitoral, não uma democracia social e/ou econômica”.

Sul21- Qual a sua atividade atualmente? Tem militância política?
Ignez Maria Serpa Ramminger (Martinha) - Sou uma médica veterinária atípica, fiz faculdade na Ufrgs e trabalhei com pequenas propriedades, depois através de concurso público ingressei na Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, no Centro de Controle de Zoonoses, posteriormente fiz mestrado em planejamento e gestão de sistemas e serviços de saúde, o que me propiciou atuar em outros setores da secretaria. Hoje coordeno a política de atenção à saúde dos povos indígenas. Tenho militância no PT.


Sul21 – O que a levou a entrar na resistência à ditadura?
Martinha – Iniciei a militância política muito cedo. Minha família é de latifundiários de Uruguaiana (nasci por acaso em Porto Alegre), totalmente tradicional. Meus familiares eram do antigo PL, Partido Libertador. Digo que sou descendente da aristocracia rural decadente. Não por acaso sou veterinária, cresci adorando terra, no meio dos animais. Minha influência grande foi do tio Ulisses Câmara Villar, que era dirigente estadual do Partido Comunista, casado com tia Nazy, irmã da minha mãe. Ele era o único adulto que tinha paciência de conversar comigo. Eu ia indagando e ele me dava respostas. Aos 13 anos, o tio me perguntou se eu topava ir para a União Soviética terminar o colégio lá. Iria com bolsa de estudos, já estudava russo. Na verdade, eu ia me preparar para ser quadro político do PC. Aí veio o golpe de 64 e meu sonho foi por água abaixo.

Sul21- O que aconteceu a seguir?
Martinha – Meu tio foi para o exílio no Uruguai, pois era dirigente do PCB. Um irmão do meu pai, Hicrólio, deu fuga para ele, na madrugada de primeiro de abril de 1964, levando-o de barco pelo Rio Uruguai. Meu pai, no outro dia de manhã, invadiu a casa da tia Nazy, com soldados, para prender meu tio, a quem o irmão dele tinha dado fuga. Para ver a discrepância na própria família…
Adolescente, com 15 anos, fiquei como pombo-correio, ia encontrar o tio Ulisses no Uruguai e trazia material – correspondência, livros – para os contatos em Porto Alegre. Ninguém iria desconfiar de mim, com cara de menina, pequena e magrinha. Trazia o material num saco de viagem e, por cima, colocava bolachas. E não deixava ninguém me ajudar a carregar o “saco de bolachas”.

Sul – Você já atuava no PC?
Martinha - Comecei no Partido com tarefas. O PC não aceitava filiação dos muito jovens. O tio me dizia para não me meter em movimento estudantil, pois iria dar muita visibilidade e eu era um quadro em preparação do Partido. Dizia que eu tinha que estudar, me preparar, pois a luta iria longe. Aí fui fazer esporte, fui paraquedista, o que dava uma sensação de liberdade, de ruptura com o comportamento tradicional, o que eu fazia nas roupas, com as minissaias, nas maquiagens, na música. Meus pais estavam separados há muito tempo e não sabiam da minha militância. Eu já tinha a visão do risco, queria proteger meu tio e a mim. Tinha consciência de estar fazendo algo que me colocava em risco de prisão. Era muito disciplinada.

Sul21- O que aconteceu com seu tio?
Martinha – Muito doente, negociou a volta ao Brasil e se entregou. Um genro dele era militar e estava como comandante do QG de Uruguaiana, onde tio Ulisses acabou ficando preso. Coisas de família… Mais tarde, ao visitar o tio no quartel, ele me alertou sobre minha militância dizendo: com o Partido Comunista não dá nada, mas os outros eles estão matando.

Sul21 – Você contou ao seu tio que estava no movimento estudantil?
Martinha – Nunca tive coragem. Tinha muita admiração e respeito por ele.

Sul21- A entrada na faculdade mudou alguma coisa?
Martinha – Quando, em 1968, entrei na Veterinária da Ufrgs, era o auge do movimento estudantil e não teve como não entrar no movimento estudantil. Comecei a atuar no POC- Partido Operário Comunista e, através deste, no MUC – Movimento Universidade Crítica. Concorrendo no DCE Livre (na época o costume era a indicação pela reitoria), nossa chapa ganhou, o presidente era o Raul Pont (atual deputado pelo PT) e eu era um dos quatro vices. Outro vice era Jorge Mattoso, que foi presidente da Caixa Econômica Federal. Tínhamos aula de formação política, Marco Aurélio Garcia dava aula de materialismo histórico. Outro companheiro era Flavio Koutzi (ex-deputado) e mais alguns que foram depois dirigentes do PT. Fazíamos discussões sobre autores e sobre o que acontecia no mundo. Passeatas aconteciam e as coisas iam se radicalizando, com repressão violenta ao movimento estudantil. Naquela época, para ser preso, bastava chegar perto de uma delegacia e escrever a palavra “liberdade”. Nem precisava terminar a palavra e tu já estavas presa. Mais de três pessoas em reunião já eram suspeitas de subversão.

Sul21- Como decidiu entrar em uma organização de resistência?
Martinha – Para mim, a gota d´água foram os tiros que nos deram, em 1969, durante uma dessas passeatas, que terminavam na frente da Prefeitura de Porto Alegre. Corremos para um prédio de escritórios da Rua Uruguai, nas proximidades, com a polícia de choque atrás. Subimos s escadas, entramos numa sala, em busca de saída e vimos que ao lado havia um prédio menor. Na sala, havia uma escada de pintor, que usamos para passar para o teto do prédio menor. Ficamos ali deitados, para que não nos vissem. Começaram a atirar contra nós, as balas passavam zunindo pelas nossas cabeças. Decidi então entrar na VAR Palmares, primeiro porque era marxista-leninista e porque tinha uma organização de centralismo democrático, contra o personalismo. Era um coletivo que não tinha um líder, ao passo que a VPR era Lamarca, a ALN era Marighella. E trazia a proposta de formar quadros políticos, de uma luta a longo prazo, junto aos movimentos estudantil e operário. Via nela mais profundidade. Eu já possuía formação política, não procurava apenas ativismo. Mas por um período ainda fiquei no POC.

Sul21- Qual a sua função na VAR Palmares?
Martinha – Estávamos começando a montar um comando operário. Mas, a mando do comando nacional, deveríamos organizar o comando de operações. E me convidaram para fazer parte do comando de operações. No Rio Grande do Sul fui a única mulher que participou de fato de ação armada. Fazíamos treinamento na Lagoa dos Patos, íamos de lancha e acampávamos, pois era uma região de caça que não chamava a atenção. Treinava com um revólver 38 e uma metralhadora pequena INA.

“Fui a única mulher na expropriação ao Banco do Brasil em Viamão”

Sul21- Você pode falar sobre alguma ação armada de que participou?
Martinha – Participei de uma expropriação no Banco do Brasil em Viamão. Eu era a única mulher. Foi, na verdade, um treinamento, o qual pedimos a Edmur Péricles Camargo, do grupo M3G. Fizemos reuniões com ele, depois o levantamento do banco. Na ação, fui disfarçada, com peruca loira, comprida, e óculos, enquanto o companheiro Gustavo Buarque Schuller usava uniforme de sargento da Brigada Militar. Ele foi até a frente do banco. Eu cheguei e lhe perguntei algo. Ele disse que não sabia e se virou para o guarda que estava ali. Chegou e lhe apresentou um papel, em que estava escrito: “isto é um assalto”. Foi o elemento surpresa. Estávamos com as armas disfarçadas. Um carro na frente do prédio fazia a cobertura. Os outros eram Edmur, Francisco Martinez, Paulo Telles Frank  e João Batista Rita. Não conseguimos muito dinheiro, pois o gerente tinha levado a chave do cofre ao sair para o almoço. Gustavo e eu ficamos de vigias do entorno. Vi que um menino espiava por uma janela do lado de  fora. Ninguém tinha visto, mas eu insisti com o Edmur para sairmos logo. Ele queria ir até a casa do gerente buscar as chaves. Desconfiava da minha informação, pois fui a única a ver o menino. No final aceitou. Se não fosse isso, seríamos, provavelmente, mortos, pois o guri foi avisar a polícia, que chegou logo.

Sul21- Qual a sensação de estar numa ação para matar ou morrer?
Martinha – Nunca me passou pela cabeça matar, não está na minha índole matar nem um animal. Ser morta poderia ser. Poderia atirar para ferir, para isso fiz treinamento de tiro. Quando um policial atira e mata o ladrão, ou é muito ruim ou é muito bom de pontaria, pois ele sabe que atirou para matar. Medo eu não tinha, o medo paralisa. Eu cumpria uma missão. Tinha – e tenho – uma disciplina política bem forte.

Sul21 – Como e quando ocorreu sua prisão?
Martinha – Em abril de 1970. Cometemos vários erros, por inexperiência. No momento em que não segui uma disciplina militante, eu me dei mal. O primeiro erro foi comprar um carro com meu nome legal e usá-lo na ação em Viamão. Era para dar sumiço no carro, um Corcel branco, mas não fizeram isso. Nesse meio tempo nosso companheiro Gustavo foi preso. Demoliram ele. E ele falou onde morava. O local estava vazio, mas esqueceram o lixo, onde foi achada uma nota de garagem com números de uma placa. Quando Paulo Telles Frank foi buscar o carro, acabou preso. E o carro estava no meu nome…


Sul21- Como chegaram a você?
Martinha – Fui pega por ter ido em casa falar com minha mãe, eu já sabia do risco de ser presa. Meu dirigente dizia para eu não voltar em casa, iam me dar identidade falsa para sair da cidade. Mas eu não quis sair sem explicar para ela. A mãe entrou em desespero, fizeram reunião de família e a coisa se alongou por bastante tempo. Aí bateu o DOPS e me levaram. E junto minha mãe, meus três irmãos menores de idade e um amigo deles, que foram fichados e depois liberados. Eu fiquei presa, por dois meses, depois levada ao presídio feminino Madre Pelletier, também em Porto Alegre. E aconteceu comigo o que não acontecia com os demais: iam me buscar na prisão para continuar me torturando no DOPS, pois cada um que caía falava alguma coisa. Eu e minhas companheiras pegamos fobia pelo som de Kombi. Quando aparecia uma, eu tremia, pois poderia ser tanto o veículo das freiras ou o que vinham buscar a gente. Eu entreguei dois “aparelhos”, achando que não havia ninguém dentro, pois a regra era que ninguém voltasse a um lugar já usado. Mas, num deles, para surpresa minha, tinha gente. Ali foi preso o comando de imprensa da VAR, ao qual pertencia Rui Falcão, atual presidente PT.



Sul21- Você sofreu tortura na prisão. Pode falar sobre ela?
Martinha – A primeira pessoa a me interrogar no DOPS foi o delegado Pedro Seelig. Trouxe meu companheiro Gustavo, arrebentado, para fazer acareação. Torturas eram só de noite. Eu escutava os gritos. Colocavam uma luz muito forte, eu não enxergava as fisionomias. Levava tapas, ouvia xingamentos. Levei choque elétrico em várias partes, nos dedos das mãos, pés, orelhas.  O choque dá uma contração violenta como se a gente tivesse cãibra. Desmaiei várias vezes. Um médico vinha ver se a gente estava bem. Fui para o pau de arara, junto com Gustavo e Francisco Martinez. Também fui estuprada. Várias vezes, por vários torturadores ao mesmo tempo. Isso se refletiu depois, quando casei com Erich (hoje sou separada).  Ficava nervosa, tensa nas relações sexuais, não conseguia sentir prazer. Agradeço a paciência que ele teve comigo. Graças a isso consegui recuperar minha sexualidade.
Havia também a tortura psicológica, para te rebaixar. Ir ao banheiro para fazer as necessidades, só com um guarda junto. Na hora do banho, ficavam me olhando, então eu não tirava toda a roupa. Não conseguia fazer a higiene correta. Depois disso, preferi não tomar mais banho, fiquei imunda. Isso era feito premeditadamente, para me desmoralizar. Era uma violência tão grande quanto o estupro.

Sul21- Ficaram sequelas?
Martinha – Passei a falar à noite e tenho bruxismo. Durante muitos anos precisava dormir com alguma penumbra, pois tinha medo noturno, visto que a tortura era à noite. E por alguns anos não conseguia falar sobre este tema.

Sul21- Como conseguiu superar as sequelas da tortura?
Martinha – O principal aspecto foi ficar voltada mais para a minha família, na época meu marido, minha filha Tatiana e logo após os meus dois filhos – Cristiano e Ulisses. Fomos morar no estado do Rio e isso ajudou a me estabilizar emocionalmente. Também voltei a exercer a veterinária.
Outra coisa que me ajudou foi que nunca parei de militar. Fui morar na cidade do Rio de Janeiro em 1977, entrei em contato com o Comitê Brasileiro da Anistia – CBA, onde fiz todo um trabalho em direitos humanos. Nesse meio tempo, constitui, em parceria com outros companheiros, a Comissão de Recepção aos ex-Presos e Exilados Políticos através da qual construímos uma rede de apoio, tais como moradia, trabalho, escola e acompanhamento psiquiátrico.
Fui fundadora do jornal Em Tempo, participei do processo de fundação do PT no Rio de Janeiro. Fundei o PT de Barra do Piraí. Depois voltei para Porto Alegre, logo que me separei do meu marido Erich. Hoje continuo militando no PT e estou na direção estadual e municipal da Central de Movimentos Populares – CMP.

Sul21- Você ficou quanto tempo presa?
Martinha – Fiquei presa um ano e um mês até ser solta, e mais dois anos em liberdade vigiada. Uma vez por semana tinha que me apresentar à justiça militar. Estava esperando julgamento, fui condenada a um ano, houve recurso e veio a anistia política.

“Jamais renegaria minha causa”

Sul21- Não voltou à prisão?
Martinha – Não voltei porque saí da cidade. Fui presa várias vezes para ser interrogada. Me pegavam na rua a qualquer momento. Fiquei muito tempo sozinha no presídio Madre Pelletier, queriam que eu renegasse minha causa. Minha mãe, em desespero, fez o jogo deles. Numa visita, ela insistiu que eu escrevesse uma carta dizendo que estava arrependida. Eu disse “jamais”, pois não poderia nunca mais me olhar no espelho.

Sul21- Como foi a vida no Madre Pelletier? A convivência com os carcereiros e outras presas?
Martinha – Estava isolada, tinham medo que fosse fazer a cabeça das outras presas. Meu diálogo com os carcereiros foi mostrar para eles que nós não éramos bandidos, havia a preocupação de desfazer a imagem de terroristas que pintavam de nós. Queríamos mostrar que tínhamos objetivos políticos, buscávamos uma sociedade mais justa. Tanto é que preparei um brigadiano e uma agente penitenciária para fazerem vestibular. As presas comuns tinham curiosidade grande de me conhecer, forçavam para ir para o castigo. Elas não entendiam como eu arriscava tudo pelos outros, vinda de uma família que tinha tudo. Tinham respeito por mim. Voltei ao presídio no ano passado, numa comissão visitante, e o lugar onde estive presa na solitária ironicamente hoje é um canil. Foi um sentimento estranho ao voltar tantos anos depois, deu certa depressão quando saí de lá.
Sul21 – Você já disse que conheceu o lado perverso dos homens, mas também muita solidariedade.
Martinha - Havia solidariedade entre os companheiros e também entre os brigadianos que me levavam cartas dos companheiros presos na Ilha do Presídio; era uma rede de pombos-correios que a gente conquistou. Pretendo publicar no próximo ano um livro onde colocarei as cartas que escrevi e as que recebi naquele tempo. Pensei no nome “Na guerra com batom”, título de um artigo que escrevi.

“Hoje sinto desprezo pelos torturadores, porque o ódio faz mal para a gente”
Sul21- Qual seu sentimento em relação aos torturadores?
Martinha – Tinha um ódio tremendo deles, hoje sinto desprezo, pois ódio faz mal para gente. O lema “guerra é guerra” não justifica a forma que eles usavam para tirar informação. E a tortura existe ainda hoje. Há dificuldades, os arquivos da ditadura não são abertos, há resistência a que as coisas avancem, o aparelho repressivo ainda está montado.

Sul21- Montado para quê?
Martinha – Ainda estamos em processo, não estamos em democracia plena. Ela é, por exemplo, eleitoral. O Judiciário não tem transparência. Existe tortura em presos comuns. Por que não conseguem abrir os arquivos da ditadura? Por que as coisas não avançam nos ministérios? Existe uma resistência muito grande. Achar que o aparelho repressivo acabou é uma ilusão.

Sul21- Você vê risco de retrocesso?
Martinha – Sim. Luto para que a gente avance na redemocratização. O pessoal hoje não sabe nem o que é o AI- 5. Se a juventude desconhece o passado, o que se espera? Eu acredito na democracia, mas tenho receio.

“Não me arrependo de nada, era um momento histórico que nossa geração viveu”
Sul21- E a juventude que foi às ruas este ano?
Martinha – Não vi isso como totalmente positivo. Muita gente foi manobrada por grupos de direita, fazendo um protesto difuso, sem foco. Não acredito em movimento espontâneo. Expulsar os partidos e os movimentos sociais? Se não tiver estrutura partidária, as coisas não avançam.

Sul21- O que falta para uma democracia plena?
Martinha – Se a gente tivesse investido mais numa democracia social, iríamos conseguir avançar. Precisamos de canais de participação que sejam efetivos. Por exemplo, os conselhos são manipulados pelos gestores. O Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre é uma exceção positiva. Mas o Orçamento Participativo hoje não é mais como era. As instituições governamentais foram constituídas para defender os interesses da classe dominante. Enquanto isso persistir os avanços democráticos serão lentos.

Sul21- Fazendo um balanço, voltaria a ter a mesma atuação?
Martinha – Não me arrependo de nada, era um momento histórico que nossa geração viveu. No futuro, não sei o que faria. Quero mostrar aos jovens os erros – logísticos– que cometemos, não sou contra pegar em armas quando for necessário. Não tínhamos condições de ganhar, por uma correlação de forças, mas acho que de certa forma fomos vitoriosos porque a ditadura acabou. Hoje luto pelo fortalecimento de nossa democracia.

Publicado originalmente no portal Sul21


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