terça-feira, 17 de junho de 2014

Mortalidade materna na Zona Sul está quase três vez acima do aceitável



Por Michele Ferreira, publicado no sitio do Diário Popular.

Em cinco anos, os 22 municípios da região atingiram 58,82 mortes por cem mil nascidos vivos, enquanto a Organização Mundial da Saúde estabelece que o número de 20 óbitos como aceitável

A mortalidade materna, uma das oito Metas de Desenvolvimento do Milênio, causa preocupação também na Zona Sul. Em cinco anos, 36 mulheres morreram entre os 22 municípios que integram a 3ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), onde nasceram 61.207 bebês. O dado pode até não soar alarmante, mas quando aplicada a fórmula para obter a Razão de Mortalidade Materna (RMM) - cálculo aplicado em todo o mundo -, chega-se a 58,82 mortes por cem mil nascidos vivos; quase três vezes mais do que o aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O alerta faz parte da dissertação de mestrado da enfermeira Ana Amália Pereira Torres, que apresenta o estudo hoje, às 17h30min, para a equipe do Núcleo de Pesquisa da Criança, do Adolescente, da Mulher e Família da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Profissionais da 3ª CRS também estão convidados a participar.
"É fundamental uma assistência integral, que vá do planejamento familiar, passe pelo pré-natal e permaneça com cuidados ao recém-nascido, mas também a essa mãe", enfatiza. Em um ano e nove meses, Ana Amália analisou relatórios dos Sistemas de Informação sobre Mortalidade (SIM) e sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Os prontuários de investigação de morte materna abertos pelos municípios também serviram de fonte de informação e checagem de dados. 

A proposta foi cumprida: a agora mestre em Ciências conseguiu estabelecer um perfil dessas 36 mulheres. A falta de detalhamento nos atestados de óbito desponta como uma das principais reflexões. Em 12 casos, o documento não apresentava a causa específica da morte. Uma informação relevante que, extraída do papel e transformada em levantamento epidemiológico, pode ajudar a dar rumo às novas políticas públicas de prevenção e de combate à mortalidade materna.
"É o que buscaremos a partir de agora, com a caracterização desses 36 óbitos", ressalta a orientadora da pesquisa, a doutora em Saúde Pública Marilu Correa Soares. A intenção de centrar o foco em um período de dez anos e não de cinco como ocorreu, teve de ser alterada devido a mudanças no software do SIM e do Sinasc, que impediram o acesso aos relatórios. O estado de saúde dos recém-nascidos, cujas mães morreram, também não estava disponível em nenhuma das fontes previstas na metodologia da pesquisa.

Cuidado ampliado às mães
Os secretários de Saúde dos 22 municípios da Zona Sul estarão reunidos na quarta-feira, às 14h, em encontro da Comissão Intergestores Regional (CIR), no auditório do Centro de Eventos Fenadoce. A pauta, extensa, prevê debate sobre a Rede Cegonha, que tem a finalidade de estruturar e organizar a atenção à saúde materno-infantil em todo o país.
A intenção é de que seis hospitais de pequeno porte - nas cidades de Pedro Osório, Pedras Altas, Morro Redondo, Santana da Boa Vista, Herval e Amaral Ferrador - não realizem mais partos, naturais ou de cesárea. As gestantes serão direcionadas a instituições de referência, possivelmente definidas por critérios, como a proximidade geográfica.
Os outros hospitais, que irão absorver essa demanda, deverão receber incentivo financeiro de, no mínimo, R$ 40 mil, por mês. "Será uma verba para poderem investir em plantão presencial de profissionais, como obstetra, pediatra e anestesista", ressalta o titular da 3ª CRS, Milton Martins. Para liberação dos recursos a essas instituições, entretanto, a projeção deve ser de, pelo menos, um parto por dia. É um dos temas a serem tratados e pactuados nesta semana para dar origem à Resolução com todo o regramento a ser adotado.

Desafio
A mortalidade materna, até hoje, está entre os problemas de saúde pública nos países em desenvolvimento. No Brasil, em 1990, 141 mulheres morriam para cada cem mil nascidos vivos. Duas décadas depois, em 2010, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) havia caído para 68. Até o próximo ano, dentro das Metas de Desenvolvimento do Milênio, o Brasil deveria reduzir o índice para 35 mortes por cem mil nascidos vivos. Pela OMS, o aceitável seriam 20. Fica, portanto, a expectativa.

O que caracteriza a mortalidade materna?
São mortes ocorridas durante a gestação, no momento do parto, em caso de aborto e no puerpério, isto é, até o 42º dia após o parto. Os óbitos devem estar relacionados, de alguma forma, à gravidez. Situações em que as mulheres se envolvem em acidentes ou incidentes não integram as estatísticas de mortalidade materna.

Período analisado na pesquisa: 2007 a 2012
Área de abrangência: 22 municípios da 3ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS)
Nascidos vivos: 61.207 bebês
Morte materna: 36
Entenda melhor: as 36 mortes equivalem a 58,82 óbitos a cada cem mil nascidos vivos. Para se chegar à Razão de Mortalidade Materna (RMM) - cálculo aplicado em todo o mundo - divide-se o total de mortes pelo número de nascidos vivos. Neste caso, 36 divididos por 61.207.
Fontes pesquisadas: os dados foram captados junto aos Sistemas de Informação sobre Mortalidade (SIM) e sobre Nascidos Vivos (Sinasc), com apoio da 3ª CRS que emprestou códigos de acesso, já que cidadãos que não pertencem a instituições ligadas ao governo esbarram na limitação de dados. Os prontuários de investigação de morte materna também foram repassados pelos municípios por intermédio da 3ª CRS.

Orientação: o estudo da enfermeira Ana Amália Pereira Torres, desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), teve a orientação da professora Marilu Correa Soares.

Onde viviam as vítimas?
                               Mortes Nascidos        vivos
Arroio Grande:       2                               1.272
Capão do Leão:        2                               1.857
Cristal:                    1                               524
Pelotas:                   14                              24.465
Piratini:                    1                               1.200
Rio Grande:              7                               15.340
Santa Vitória:           2                               2.182
São José do Norte:   6                                1.776
São Lourenço do Sul: 1                               2.811

Qual o perfil dessas 36 mulheres?
- Faixa etária: 52,78% tinham entre 30 e 39 anos
- Cor: 77,77% eram brancas
- Estado civil: 55,55% eram solteiras
- Ocupação: 55,56% eram donas de casa
- Grau de escolaridade: só havia informação sobre metade das vítimas. Dessas 18, 41,67% possuíam Ensino Fundamental
- Período gestacional: 69,44% estavam entre a 32ª e a 41ª semanas de gestação
- Outros filhos: 52,78% já tinham entre um e três
- O parto: 50% das mulheres tinham feito cesárea, o que não significa que as mortes ocorreram em decorrência de complicações no procedimento
- A gravidez: 94,44% das gestantes esperavam apenas um bebê

Causa das mortes
- Obstétrica direta: 41,37% - 15 casos
Desses 15 óbitos, em 26,67% dos casos, as mulheres morreram de hemorragia
- Obstétrica indireta: 25% - Nove casos
São originadas por complicações de alguma situação que a mulher já possuía.
Desses nove óbitos, 22,22% foram em decorrência de doenças circulatórias e 22,22% em função de problemas respiratórios.
- Obstétrica não especificada: 33,33% - 12 casos
- Local da morte: 88,89% delas estavam em ambiente hospitalar.

As metas do Milênio
Em 2000, ao observar os maiores problemas ao redor do mundo, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu oito Metas de Desenvolvimento do Milênio. 189 países aceitaram o desafio. No Brasil, elas passaram a ser chamadas de oito jeitos de mudar o mundo. Veja quais são eles.
1 - Acabar com a fome e a miséria
2 - Educação Básica de qualidade para todos
3 - Igualdade entre sexos e valorização da mulher
4 - Reduzir a mortalidade infantil
5 - Melhorar a saúde das gestantes
6 - Combater a Aids, a malária e outras doenças
7 - Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente
8 - Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento

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